terça-feira, agosto 23, 2022

Aventuras de um jornalista afromestiço em um castelo no meio do pampa (parte 1)

Das coisas que eu sinto saudades dos tempos quando eu trabalhava no Palácio Piratini eram as viagens para o interior do Estado. Percorri muitas cidades pelo Rio Grande do Sul afora e que se não fosse por trabalho, dificilmente eu teria conhecido aqueles municípios.

E foram vários. Acho que uns 50, num cálculo baixo, num período de quatro anos. Muito em função das tais interiorizações, que eram a transferência do gabinete do governador para uma cidade do interior, conforme a região. Geralmente isso acontecia uma ou duas vezes por mês.

Eu era o coordenador do serviço de rádio do Palácio Piratini. Liderava uma equipe de três pessoas (dois jornalistas CC's e um técnico operacional) mais dois estagiários. Eu respondia pelo estúdio de rádio, o local da histórica transmissão da Rede da Legalidade. Fazia transmissões ao vivo; acompanhava a agenda do governador para gerar notícias que resultavam em boletins gravados (nossos maiores "clientes" eram as rádios do interior e emissoras independentes); releases eletrônicos; mantinha contatos com os meios de comunicação; acompanhava entrevistas coletivas; produção de projetos especiais e mais uma gama de funções (quebra-galhos).

Voltando às interiorizações, das inúmeras que fiz, teve uma bem marcante: a visita ao castelo da família Assis Brasil, em Pedras Altas, cidade localizada a uns 300 quilômetros de Porto Alegre, em março de 2005.


Foi marcante pelo caráter histórico e desafio profissional. Neste texto falo pelo sentido histórico. Numa segunda parte, falarei dos bastidores da transmissão que fiz para a rede de rádios da região sul do Estado.


O Castelo de Pedras Altas, idealizado por Joaquim Francisco de Assis Brasil, se localiza no município de mesmo nome, ao sul do Estado. A construção, com traços medievais, durou de 1909 a 1913. Foi prova de amor de Assis Brasil à segunda esposa, Lídia Pereira Felício de São Mamede. Ele não mediu esforços para concretizar o projeto. Trouxe calceteiros da Espanha especialmente para erigir o castelo onde foi assinada a Paz de Pedras Altas, acordo que pôs fim à Revolução de 1923, repetição do confronto entre chimangos e maragatos.


Assis Brasil transformou a propriedade em espaço altamente produtivo que impulsionou a atrasada pecuária gaúcha. Promoveu a importação de matrizes das raças Jersey (da Inglaterra), além de touros Devon, cavalos árabes e ovelhas Karakuk e Ideal. Introduziu novas espécies de árvores, construiu estrebarias, galpões e porteiras que funcionam até hoje. Foi inventor de diversos utensílios, como a bomba de chimarrão de mil furos que jamais entope e leva o seu nome.


Na entrada da propriedade é possível ler, lapidada no piso, a frase: “Bem-vindo à mansão que encerra / Dura lida e doce calma / O arado que educa a terra / O livro que amanha a alma”.


A biblioteca é composta de 15 mil exemplares. O lugar abriga obras em inglês, francês, português e latim. O castelo mantém até hoje móveis trazidos de Nova Iorque. Foram instaladas 12 lareiras, espalhadas pelo prédio para enfrentar o rigoroso inverno do pampa gaúcho.



Apesar de eu integrar a comitiva governamental, apenas o chefe do Executivo estadual e mais meia dúzia de seletíssimos convidados entraram na histórica edificação. Na época, o imóvel estava fechado para visitações pois estava à venda. Foi oferecido ao município de Pedras Altas, ao Estado e à União. Os descendentes de Assis Brasil desistiram. O custo de conservação é muito elevado, impossível de ser coberto com a simples cobrança de ingressos.

Na próxima narrativa falarei sobre a transmissão da rede de rádios que fiz na interiorização em Pedras Altas.