sexta-feira, setembro 05, 2014

Momento errado



O episódio da torcedora Patrícia Moreira, que foi flagrada pelas câmeras de televisão nas arquibancadas da Arena do Grêmio, proferindo ofensas racistas contra o goleiro Aranha, durante o jogo entre Grêmio e Santos, no dia 28 de agosto, válido pela Copa do Brasil, me lembra aqueles casos dos tempos de colégio em bancar o maria-vai-com-as-outras.

O que aconteceu com a guria é bem o que ocorre diariamente nas salas de aula do país inteiro: se o Fulano está fazendo, vou fazer também... A turma está uma tremenda bagunça, o professor aparentemente perdeu o controle, os aluninhos fazendo a maior laúza, com gritos, assobios, lançamento de aviõezinhos e bolinhas de papel. Aí, um aluno que tira notas medianas e que não é do mal e nem bagunceiro, inventa de "ir na onda", dá um berro ou solta uma gracinha infeliz, pensando que seu ato ficaria encoberto naquele furdunço. Eis que magicamente o barulho cessa, o professor se vira e surpreende o bagunceiro pouca-prática, que é punido exemplarmente com a expulsão da sala ou até uma suspensão, e é avisado que só retornará à escola se estiver acompanhado do pai ou responsável.

Não sou psicólogo, mas isso talvez algum profissional do ramo possa explicar melhor do que eu. A atitude de pessoas pacíficas muitas vezes são regidas pelo grupo no qual está inserido do que pelo indivíduo em si. Patricia xingou o goleiro de "macaco" porque “entrou na onda” da torcida, que já gritava a palavra depreciativa. Isso por si só não justifica as ofensas ditas pela moça durante a partida.

O pecado dessa azarada torcedora, assim como o do estudante aprendiz de bagunceiro, foi "ter ido na onda" e abrir a boca no momento errado.

sexta-feira, fevereiro 28, 2014

DICAS PARA QUEM DETESTA CARNAVAL



Êba, é carnaval! Mas para mostrar que sou tolerante com os que detestam os dias de folia, consultei sites, jornais, rede de amigos e me inspirei em um texto de Luiz Antônio Simas e preparei uma lista de programas de índi...(ops!) dicas para quem quer “fugir do agito” (copiei a expressão de um conhecido jornal alegre-portense). Vejam como pode também ser divertido ficar alheio ao evento. Eis aí a lista com “ótemas” opções para quem não é chegado no ziriguidum:

1- Rebanhão. Ah, uns com fé demais e outros com fé de menos... Neguim passa o ano inteiro maldizendo, malfalando, praguejando, xingando a esposa, traindo o marido e batendo nos filhos e aproveita justamente o carnaval para expiar os pecados no retiro espiritual. Mas já que é assim, que se aproveite o tríduo momesco para orar, entoar cânticos de louvor e ouvir a Palavra. E na quarta-feira de Cinzas, volta tudo como era antes no quartel de Abrantes: maldizer, praguejar, xingar a esposa, trair o marido, bater nas crianças...

2- Maratona em mostra cinematográfica. O nome dessas mostras geralmente é muito criativo: Fugindo do Carnaval (genial!). Enquanto eu estiver me preparando para assistir meus Imperadores do Samba e entoar o bonito samba dos Acadêmicos de Gravataí, o sujeito pode assistir a filmes dos mais conhecidos diretores da vanguarda cinematográfica sul-coreana, responsáveis por obras altamente experimentais, privilegiando o ritmo pausado, o forte conteúdo visual muitas vezes sangrento, o parcimonioso uso do diálogo e a ênfase em elementos criminais ou marginais da sociedade.

3 – Se você for amante das artes, vale a pena conferir a exposição A Bela Morte – Confrontos com a Natureza-Morta no Século XXI, no Margs. A ideia é mostrar um olhar atualizado sobre a natureza-morta, a arte de representar frutas e outros objetos inanimados. Tão emocionante quanto o grito de guerra do puxador Alexandre Belo.

4- Quer paz, sossego, e ficar longe de gente suada se esfregando no salão? Seus problemas acabaram, amigão/amigona! Passe o tríduo momesco na Cidade dos Pés Juntos, o famoso cemitério! E curta o melhor da arte cemiterial da nossa cidade. Você pode visitar o túmulo do Teixeirinha no Cemitério da Santa Casa. Indico também ir ao São Miguel e Almas, visitar o mausoléu da família Mathias Velho, onde anjos abrem o túmulo de Cristo diante de um romano espantado. O monumento é um dos melhores exemplos de arte funerária de Porto Alegre. O Jardim da Paz, na Lomba do Pinheiro, é considerado o mais belo “cemitério-parque” do Brasil, tem clima bucólico e não se escuta qualquer baticum.

5- Maratona do descarrego nas unidades da Igreja Universal do Reino de Deus. Durante quatro dias pastores realizarão exorcismos e descarregos em tempo integral. A igreja promete encerrar o evento com a realização do ritual da fogueira santa de Israel, onde os bilhetes com pedidos dos devotos arderão na pira do Leão de Judá. Promete ser mais animado que o desfile da Imperatriz Leopoldense sobre a China.

6- Apreciar as belezas naturais da nossa cidade. Eis um programa tremendamente interessante para os que detestam o tríduo. Levantar às cinco horas da manhã para fazer caminhadas ecológicas, trilhas e trekkings, com oportunidade de integração entre os colegas e a realização de um piquenique comunitário. Deve ser tremendamente divertido, sobretudo se chover.

7- Festas, raves, bailinhos, baladas ou o raio-que-o-parta. Em plena sexta-feira, véspera de carnaval, uma “baita festa” vai acontecer em boate na Cidade Baixa, programa ideal para os descolados de plantão, com direito a muito som indie, funk, soul. Tem outra festa, no mesmo bairro, cujo nome já diz tudo: I Hate Carnaval. É o programa mais indicado para rapazes frescos e jovens lésbicas intelectualizadas.

8- Camarotes vip no Complexo Cultural Porto Seco e das cervejarias na Marquês de Sapucaí; sempre repletos de subcelebridades, gente bem e personalidades (oi?) do meio político. É, sem a menor dúvida, o melhor programa para quem de fato detesta carnaval.

Depois dessas dicas que provam, repito, minha compreensão em relação aos não carnavalescos, abrirei a primeira gelada do dia, pedirei axé aos meus guias, licença ao povo da rua (que não sou besta), e declararei aberto o meu Carnaval.

Evoé!

sexta-feira, janeiro 03, 2014

As sociedades negras, por Antônio Carlos Côrtes

Fui citado pelo eminente advogado e radialista Dr. Antônio Carlos Côrtes em seu artigo "As sociedades negras", publicado no Jornal do Comércio, no dia 30.12.2013, o que muito me honra. O Dr. Côrtes só exagerou ao falar que eu ensino. Na verdade, só repassei um conhecimento que me foi fornecido pelos nossos Mais Velhos. Quem tiver o desejo de conferir, aí vai o link do artigo. Obrigado, Dr Côrtes.


As sociedades negras


Antônio Carlos Côrtes

“O 13 de maio nada representa para a raça negra” (Alceu Collares, no livro Nós, os afro-gaúchos). A Sociedade Floresta Aurora foi fundada em 31 de dezembro de 1872 por negros que lutaram e conquistaram alforria, daí a expressão “forros”. Seu caráter beneficente foi causa primeira. Ajudar famílias negras a pagar enterros dos parentes bem como prestar assistência material, moral e espiritual. Os sócios, na maioria operários, eram moradores nos bairros Menino Deus, Bom Fim e Rio Branco. O jornal A Federação registra que em 1918 o nome oficial era Sociedade de Dança e Beneficência Floresta Aurora. Em 25 de setembro de 1961, alterou o nome para Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora. Presentemente, ao completar 141 anos, é proprietária de aprazível sede na estrada Afonso Lourenço Mariante, 437/489, no bairro Belém Velho em Porto Alegre. É a sociedade negra mais antiga do Estado. É exemplo que os clubes sociais negros são lugares de memória, resistência na preservação, apreciação e valorização da cultura. 

Espaços culturais no compasso dos sons, na métrica dos saberes para as sociedades negras. Lembrando Gilberto Gil: a Bahia já me deu régua e compasso. Logo, posso medir meus passos em laços que abraçam todas as sociedades negras. Se o RS possui mais de 50 clubes sociais negros, ninguém tem dúvida. Lugares, memórias, resistências são patrimônio imaterial comportando desde logo análise, eis que, via de regra, estão ativos e presentes. A existência da Floresta Aurora é o reconhecimento do valor cultural do bem, que transforma em patrimônio imaterial a cultura negra. 

O jornalista Gerson Brisolara ensina: os índios do Xingu dizem que nos troncos de árvores moram, encantados e perpetuados, os espíritos de seus ancestrais. Quando o terreiro de batuque ou candomblé é criado, planta-se no solo o axé da casa, que perpetuará naquele local o acúmulo de saberes que a ancestralidade proporciona à comunidade. Negros e índios sabem que a experiência está fincada em certos locais, sacralizados pelo que foi vivido ali.  

Abater clubes negros, sociedades e escolas de samba é, portanto, matar o axé, derrubar os troncos das árvores sagradas, é quebrar o elo de ancestralidade que faz a vida em comunidade ser possível. A longevidade da Sociedade Floresta Aurora é a prova de que a luta para preservar sociedades negras é possível.

Advogado